terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Perde o Gato

Um jornal é lido por muita gente, em muitos lugares; o que ele diz precisa interessar, senão a todos, pelo menos a um certo número de pessoas. Mas o que me brota espontaneamente da máquina, hoje, não interessa a ninguém, salvo a mim mesmo. O leitor, portanto, faça o obséquio de mudar de coluna. Trata-se de um gato.

Não é a primeira vez que o tomo para objeto de escrita. Há tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no encanto imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu — e sua falta é mais importante para mim, do que as reformas do ministério.

Gatos somem no Rio de Janeiro. Dizia-se que o fenômeno se relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros. Agora ouço dizer que se relaciona com a vida cara e a escassez de alimentos. À falta de uma fatia de vitela, há indivíduos que se consolam comendo carne de gato, caça tão esquiva quanto a outra.

O fato sociológico ou econômico me escapa. Não é a sorte geral dos gatos que me preocupa. Concentro-me em Inácio, em seu destino não sabido. Eram duas da madrugada quando o pintor Reis Júnior, que passeia a essa hora com o seu cachimbo e o seu cão, me bateu à porta, noticioso. Em suas andanças, vira um gato cor de ouro como Inácio — cor incomum em gatos comuns — e se dispunha a ajudar-me na captura. Lá fomos sob o vento da praia, em seu encalço. E no lugar indicado, pequeno jardim fronteiro a um edifício, estava o gato. A luz não dava para identificá-lo, e ele se recusou à intimidade. Chamados afetuosos não o comoveram; tentativas de aproximação se frustaram. Ele fugia sempre, para voltar se nos via distantes. Amava. Seria iníquo apartá-lo do alvo de sua obstinada contemplação, a poucos metros. Desistimos. Se for Inácio — pensei — dentro de um ou dois dias estará de volta. Não voltou.

Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto preciso que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura. É o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não carece de suplemento de informação. Livros e papéis, beneficiam-se com a sua presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é símbolo e guardião da vida intelectual.

Depois que sumiu Inácio, esses pedaços da casa se desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É extraordinário como o gato "funciona" em uma casa: em silêncio, indiferente, mas adesivo e cheio de personalidade. Se se agravar a mediocridade destas crônicas, os senhores estão avisados: é falta de Inácio. Se tinham alguma coisa aproveitável era a presença de Inácio a meu lado, sua crítica muda, através dos olhos de topázio que longamente me fitavam, aprovando algum trecho feliz, ou através do sono profundo, que antecipava a reação provável dos leitores.

Poderia botar anúncio no jornal. Para quê? Ninguém está pensando em achar gatos. Se Inácio estiver vivo e não seqüestrado, voltará sem explicações. É próprio do gato sair sem pedir licença, voltar sem dar satisfação. Se o roubaram, é homenagem a seu charme pessoal, misto de circunspeção e leveza; tratem-no bem, nesse caso, para justificar o roubo, e ainda porque maltratar animais é uma forma de desonestidade. Finalmente, se tiver de voltar, gostaria que o fizesse por conta própria, com suas patas; com a altivez, a serenidade e a elegância dos gatos.

Carlos Drummond de Andrade
Crônica extraída do livro Cadeira de balanço - Editora Record, RJ

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Postei esse conto por dois motivos:
1. Não, meus gatos não fujiram, ao contrário. Estão bem em casa, no conforto dos cantos que se tornaram proprietários. São meus companheiros fiéis, seja na sala, no quarto ou até no banheiro, aguardando eu sair do banho pra entrarem no box, pra tomar a água que ficou por ali (eca). Isso quando não pedem pra "tomar" banho junto. Sim, o Bóris fica num cantinho, lambendo as gotas de água que nele caem enquanto tomo o meu banho.
2. O segundo motivo é a imagem ali, do Chat Noir. Esse gato me intrigava há muito tempo. Cheguei a pintar uma tela inspirada nele. Quando fui à Paris, coloquei na minha cabeça que iria procurar por este lugar. Chat Noir era um pub, um cabaré na região entre o Montmartre e o Moulin Rouge, nas antigas. Bom, não fiz muito bem
a minha pesquisa hehe, pois achei esse lugar por acaso. Explico: quando eu tava lá, fiz uma pesquisa de endereço rapidamente. Beleza. Como não tinha nenhuma noção de espaço e lugar, eu acabei esquecendo o papelzinho no hotel. Idiot! I know! Well, whatever! Fui fazer meu turismo básico. Fui na Basílica de Sacre Coeur e saindo de lá, fui em direção ao Moulin Rouge. Lá pelo fim do caminho, (andei muiiiiiiito), de repente me deparo com o tal bar! Nossa, minha alegria de ter achado tão por acaso o maldito lugar, hahahahaha, nunca vou esquecer. Pena que as fotos não ficaram boas. Enfim, entrei, tomei um ice tea, bati umas fotos proibidas hahaha, e ganhei meu dia. Fiquei pensando nas paredes cheias de histórias, nas pessoas que por ali passaram, nos detalhes encravados nas paredes, aquilo tem muitos anos! Confesso que me emocionei. Aliás, Paris inteira é pura história! Se tem um lugar que indico pra todos visitarem é Paris! Tem que ir! Vale muito! Bju pra quem lê!

2 comentários:

  1. Eu sei que o post dos "segredos" era o de baixo, mas nesse eu descobri algo que não sabia sobre você: que pinta. Mais um ponto na escala que me faz gostar tanto de você. Daqui a pouco vai faltar formas de medir.
    Beijo.

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  2. Legal saber um pouco de vc. Legal saber que vc tem um blog tão legal. E, para repetir mais uma vez, legal seu texto. Aliás, muito legal.

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